segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Estavelmente Instável

Eu acordo, encaro o teto, encaro os móveis, entro em alguns cômodos e fico assim, inquieto, o dia inteiro. Entrando e saindo dos cômodos. Procuro evitar precauções do dia-a-dia com respostas curtas e silêncios longos. Não sei se isso faz de mim uma incógnita, mas até anteontem, eu queria abraçar o mundo inteiro e fazê-lo de qualquer coisa típica de afagável. Anteontem o mundo era lindo. Hoje, eu prefiro olhá-lo de um lugar distante. E amanhã… Amanhã, eu não sei. Talvez as coisas mudem ou talvez eu fique distante assim pro resto da vida.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Incompreensível

Talvez o ônibus não passe nunca. Quando ele passar, o trânsito vai me irritar. Assim como quando estou ao volante. Eu vou desejar muito que algo me distraia, mas é impossível ouvir uma música enquanto o trânsito me atrasa para chegar ao meu destino. Forçar a atenção, ou qualquer gesto que vai contra essa permanente tensão, me dá tontura. Começar algo sem ter a certeza do cenário final, para uma mente ansiosa, é no mínimo frustrante. Minhas mãos vivem suadas. E eu sei o motivo. Mas explicar a sensação de que algo vai dar errado, que o carro irá bater, o céu escurecer, é completamente incompreensível. É completamente incompreensível sentir náusea por não conseguir arrancar uma pele do dedo.

Quero que esses apagões de memória parem, os de sentimento também. Quero que meus gatilhos respeitem o tempo, porque é completamente incompreensível sair de um lugar e esquecer que devo voltar. É completamente incompreensível pensar antes do acontecimento e não atravessar a rua porque algo te faz crer que um carro vai te atropelar. É completamente incompreensível você dizer por ai que vive com sono, mas não consegue dormir direito por medo.

Esperar enfartar a qualquer momento é muito incompreensível. Quem teria a coragem de contar a um amigo: “Eu tenho certeza que vou enfartar.” Ninguém.
Ninguém falaria para um amigo porque isso é completamente incompreensível. 

É completamente incompreensível prevenir sofrimento, como se esse tivesse data e hora marcada.

É completamente incompressível achar que alguém entende completamente o que eu escrevo.


É completamente incompreensível ser uma pessoa ansiosa.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

365

Então seca minhas lágrimas, me coloca nos seus braços, se devolva à mim!
Tira de dentro a saudade que agride, 
a tristeza que me oferece o cigarro que não cabe mais.
Volta a dizer as suas implicâncias.
Volta a falar.
Ressucita.
Não me deixe aqui tentando te encontrar.
Me leva com você, me busca aqui.
O sentimento é lindo, puro e verdadeiro.
Esse sou eu.
Essa é você.
No pensamento sempre.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Pedro era ansioso. Não podia estar frente a qualquer coisa que a sua ansiedade exalava pelos poros. Pedro se medicava, por vezes se auto medicava. Mas decidiu seguir as drogas prescritas. Pedro se arrependia de ter chegado a um estado que necessitava delas, mas ele não via nenhuma alternativa. Pedro tem crises, Pedro já teve crises. Pedro tem dificuldade de confiar nos seus remédios, mas Pedro não tem onde se segurar. Pedro as vezes sente que vai voltar a cair, mas ele tira um restinho de força e levanta. E levanta, Pedro!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Pedro

Pedro era estranho, ele se sentia estranho. Pedro se sentia único ao mesmo tempo que se encontrava no meio da multidão perdida e desorientada. Pedro gostava de rock, mas era tão eclético que não se rotulava. Pedro não gostava da escuridão, não da padrão, mas da sentimental. Pedro tinha medo, muito medo ele enfatizava por vezes. Pedro tinha medo das dúvidas, dos anseios, dos acasos. Pedro não queria se decepcionar, mas essa se encaixa em Pedro, João, Gabriel, Emanuel...mas esse também era Pedro. Ele até se considerava um cara legal, mas se considerar algo nunca lhe foi suficiente, suficiente que sempre foi algo tão pouco a Pedro. Pedro se sentia perdido quase sempre, mas isso é assunto pra outra história de Pedro...

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

"Pedro"

Pedro amarrou o cadarço dos seus tênis sentado na beira da cama, ergueu um pouco a cabeça - o bastante para enxergar ao redor do seu quarto - e admirou seus próprios medos. O contratempo abastecia muito as vanglorias que quase sempre permaneciam miúdas e silenciosas. Pedro deixou de sentir muitas coisas, mas não entregou seus medos aos ares. Onde há amor, há medo. Se o medo acabasse, não haveria mais amor. E Pedro sabia que não era possível viver sem medo. O terror que era tapar buracos às escondidas, numa desavença, afim de não ser visto, mas cuidando, ajeitando; mesmo que doloroso - porque ninguém percebia ou se importava - era uma dádiva que Pedro não deixava escapar. Pedro sempre escutou que a dor precisa ser sentida. E agora faz sentido. Aceitar tal condição dói o suficiente para Pedro sentir seus cotovelos ásperos e escuros. E também limita a sua sede de criar laços e ir contra a maré. Por muito tempo pensou ''para que viver se haverá dor?''. Essa sisma antecipada é uma das que ele rejeitou. Pedro parou de pensar nisso. Agora Pedro vive. Vive com muito medo, mas vive.

domingo, 14 de setembro de 2014

A + mar

A vida tem dessas tiranias
esses becos súbitos
beirando catástrofe
enfim, dor.
e o mar
desdenhoso
ah, o mar
ruindo a coluna caída
os sulcos emaranhados 
a vida tem dessas
as vezes beco
as vezes mar.

domingo, 31 de agosto de 2014

Eu

Eu fui pra casa com uma crise de ansiedade, mas sem conseguir parar de pensar em como eu queria que alguém entendesse o que se passa na minha cabeça. Como explicar algo que eu nem tenho certeza se é real? Eu sinto que eu consigo romper a barreira da realidade, mas sempre me puxo de volta. Isso me leva a pensar no dia que eu vou passar para o lado de lá e não vou mais voltar. Eu lido com a minha loucura todo dia. É tudo muito confuso, muito bagunçado. Eu consigo saber o que eu estou fazendo, mas dificilmente consigo controlar. Eu consigo ver que algumas coisas que eu faço e digo são erradas, mas dificilmente consigo parar. É insuportável sentir a loucura chegar devagar e tomar conta de você. É insuportável porque você consegue sentir cada passo dela mas não consegue parar...
É isso.
Eu não consigo parar. Eu preciso me parar.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Pra onde vão os guarda chuvas?

Pra onde vão os guarda chuvas?

Pra onde vai a proteção em dias tempestuosos?
Existe algum lugar que todos os guarda chuvas se escondem, se encontram e nos deixam desprotegidos.
Pra onde foi aquele amor de verão?
Pra onde foi o beijo na chuva? Aquele sem o guarda chuva...
Lá vem aquela chuva de novo. Chuva agoniada.
Chuva melancólica. 
Vem ela de novo rir da nossa cara. 
Tirar o sol do rosto.
Do corpo.
Da alma.

Pois bem, nessas horas que eu me pego perguntando: pra onde vão os guarda chuvas?

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Galhos

Primeiro sentia o corpo arado, cortado, rasgado com lâminas afiadas de silêncios, silêncios, silêncios.

É como se raízes de uma árvore frondosa me atravessassem as entranhas até destroçar nervo por nervo.

Alastraram-se-me coisas vivas, viscosas, verdes vindas de grãos semeados a uma dolorosa profundidade.

Não eram os galhos, nem as folhas, nem os troncos, nem a árvore. Era você crescendo em mim. Até cansar, até doer, até tombar, até matar, ate amar.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Teu jeito

Único é esse teu jeito de acarinhar,
Teu beijo doce, teu olhar sincero,
Única é tua forma de me conquistar,
De ler nos meus olhos o que mais quero.

Ímpar é esse teu modo de ser,
De ver o mundo, as pessoas, a vida.
Sem par é tua maneira de me querer,
De se entregar, sem qualquer medida.

Excepcional é tua forma de agir,
Externando a paz, repleto de calma.
Extraordinário é o teu sorrir,
Tocando tão fundo na minha alma.

Indescritível é teu modo de amar,
Tua transparência, o teu valor.
São teus gestos, tuas palavras, teu cantar,
Tua forma sublime de me dar amor.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

O coringa.

Você pode não ser a carta mais perfeita do baralho. Pode não se achar a mais bonita dele todo (o que eu sempre vou discordar). Pode não ser a pessoa mais inteligente do mundo, a mais carinhosa, a mais cuidadora. Pode ate se sentir insuficiente pra alguém o tempo inteiro. Você pode isso tudo. 

O que você não pode deixar de saber, é que de todas essas cartas do baralho, todas essas que tentam desesperadamente chamar a minha atenção, eu fui me apaixonar logo por aquela que não moveu um nada para me conquistar. 
Aquela que se apresentou pra mim cheia de imperfeições, de alma limpa. De coração aberto.
Aquela que me fez me apaixonar por cada detalhe, os certos, os errados. Aquela que mostrou pra mim que há perfeição na imperfeição. 
Que há carinho na falta de carinho. 
Que ha amor onde ele nunca habitou. Que há alguém que, contrariando tudo, me mostrou que ser igual a mim, me trouxe a verdadeira felicidade. 
A plena. 
Aquela que não vem de fora pra dentro, mas de dentro pra fora. 
Aquela que não aparece em uma carta, aquela que não precisa aparecer o tempo todo pra mim para mostrar que existe. 
Assim como você não precisou nunca ser nenhuma das cartas, das 52, pra poder se fazer presente do meu lado. 
Na minha vida.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

A culpa é das estrelas

O teu silêncio é um grito
Em meus ouvidos nesta noite
Seus beijos são vivos como as estrelas
Com a mesma magia te vejo no luar de outrora
Queria eu me levantar e teus olhos fitar
Queria eu na manhã te dar

O sorriso do meu olhar
Queria você ao meu lado
E a tua mão segurar
Te provar o quão verdadeiro
É esse sentimento que invade

Que me toma por inteiro
Ocupa os meus espaços
Não tem princípio, nem meio
Muito menos um final
Meu ser clama num delírio

Um desejo que me consome
Preciso do mesmo ar que respiras
Anseio pelo amor que me inspiras
O calor do seu corpo no meu
Para saciar-me por inteiro
Como alimento que busco
Nos instantes de meu dia

Quero a magia do sonho
Quero deitar-te em meu ombro
Mostrar que tudo mudou
Que a vida está diferente
Que o amor está com a gente
Que a dor aqui, não tem vez
Que estamos juntos agora
Cúmplices nesta jornada

Sentimos nesse momento
O poder de um grande amor
A força que ele nos dá
A coragem de arriscar
Ele nos tira da solidão
Nos faz conhecer a paixão
O céu cabe dentro do peito
E o amor vira constelação...

terça-feira, 17 de junho de 2014

Voar

Qual maior inimigo que a força interior?
Um fogo natural, uma pressão íntima torcendo os significados, os tempos, os entendimentos emocionais.
Qual maior inimigo que a ausência desse combustível?

Um buraco triste e ventilado, uma brisa fria em lugares escuros, ouve-se o barulho das árvores roçando-se, mas onde estão as pessoas? Ou os valores? Quero sentir tudo ao meu redor, mas falta-me a chama a iluminar as cores.

Esses dragões que revoados, esses dragões guardados em cavernas, esses dragões indomesticáveis, onde estão que chegam e vão com asas só deles, com céus só deles, com luas apenas deles. Onde e como guardar em mim a sujeição desses bichos que quando longe faz tudo ser noite e quando perto tudo se torna uma batalha em alturas lunares, como e onde Dragão?

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Devaneando

O medo, quando dentro de um quadro em que é possível se lidar com ele, é até benéfico, na medida em que faz parte de nosso instinto de sobrevivência. Para que os nossos medos não fujam de controle, é preciso que eles sejam equilibrados pela razão e pelo bom senso. É preciso usar esses amigos, chamados razão e bom senso, não para fugir de nossos medos, mas sim para com eles acender a luz de nossas emoções e tomar contato com aquilo que tememos. Nesse momento, lembro-me de mamãe, que me ensinou coisas que a escola não ensinou, ou seja, as escolas deram nome e forma àquilo que ela me ensina desde pequeno. E mamãe dizia, sempre, que muitas vezes o medo é maior do que aquilo que temos que fazer. E que quando encaramos e fazemos, o medo parece ridículo! E não é que ela tinha razão? Em outras palavras, ela estava dizendo o que os compêndios de psicologia dizem com outras palavras, ou seja: acenda a luz e encare seu medo, em vez de fugir dele... de repente, aquilo que mais tememos pode não ser tão temível assim! O importante, para não deixar que os medos nos carreguem, é tirar o peso dos ombros, relaxando, confiando na vida e tendo certeza de que coisas boas virão, se esperarmos por elas. Não temos que assumir responsabilidades por ninguém, basta-nos as nossas próprias limitações... cada um pode e deve viver sua vida. Inclusive as pessoas que mais amamos. Saber isto e viver isto já alivia, e muito, o medo em relação aos seres amados. Talvez seja o momento de perguntar: tenho medo do que? De perder prestígio, amores, amigos? Bem, quem gosta realmente de nós não está preocupado com nosso prestígio, ou com o que temos, mas sim com o que somos, e com o que significamos na vida deles. O mundo não vai desabar se soltarmos os problemas, se descansarmos deles, pelo menos daqueles que não são necessariamente nossos.

Vale, também, um momento de reflexão e questionamento: será que estamos fazendo o que realmente gostamos, estamos vivendo a vida que escolhemos, ou nossa vida é apenas aquilo que querem de nós, que escolheram para nós? Se a resposta for a alternativa "b", o medo com certeza está presente. Quando se vive pelos outros, no modelo do que querem de nós, é claro que o medo é maior, até o momento em que uma doença vem e nos faz parar com tudo. Aí, as pessoas que esperam que façamos tudo por elas vão aprender a se virar sozinhas, com certeza. Tomara que não precisemos disso para reagir e perder o medo de fazer o que queremos e ser como gostaríamos!

E para finalizar, gostaria de dizer algo sobre a coragem, que não é apenas aquilo que se faz "por fora", os atos de heroísmo que implicam salvamento de outras pessoas, atos de bravura, que saem nos jornais e são elogiados. A coragem verdadeira começa dentro de nós, no momento em que acendemos a luz da razão sobre nossos medos, e eles deixam de ser tão ameaçadores. A coragem autêntica nos impele à mudança, a uma nova forma de ser, talvez mais solta, com certeza mais feliz...Pense nisso!




Como sempre, em dias assim.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Coisas do coração

- Caramba, essa foi fácil - disse ela.

- Fácil pra você...eu diria.

- Estou tentando...insistiu ele.

- E será mais difícil ainda amanhã - continuou ele - Fiquei com o teu cheiro na minha cabeça o dia todo e vou ficar incrivelmente desestabilizado. Se ficar longe de você por qualquer período de tempo, terei que começar de novo. Não do Zero, imagino!

-Então não vá embora - Disse ela.

- Isso é bom pra mim - respondeu ele, o rosto relaxado num suave sorriso - COLOQUE OS GRILHÕES...Sou seu prisioneiro. - Mas suas mãos formavam uma algema nas mãos dela. E ele sorriu como NUNCA o fizera antes.

- Você parece mais....otimista que de costume - Ela observou - Não o vi assim antes.

- Não é para ser assim? - Ele retrucou - A glória do verdadeiro amor, essas coisas. É inacreditável, não é, a diferença entre ler sobre uma coisa, vê-la em fotos e experimentá-la? (Ela insistia muito nessa história.)

- Muito diferente. - ela concordou. - Mais poderoso do que imaginei. Concluiu.

- Por exemplo a distância - Ele refletiu - Eu luto todas as noites para ver você dormir, com o abismo entre o que eu sabia que era o certo, moral, ético, e o que eu queria de fato. Aprendi com o tempo que com essas coisas do coração não se brinca. Não se luta. Não se entende. Eu sabia o que era o amor, mas nunca havia entendido o que era o amor de verdade. - E ele chorou ao afirmar isso perante seus olhos castanhos.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Desprovido

"Seus sintomas?
Um calor gélido e ansiado na boca do estômago.
Uma sensação de: o que é mesmo que se passa?
Um certo estado de humilhação conformada o que parece bem vindo e quisto.
É mais fácil aturar a tristeza generalizada
Que romper com as correntes de preguiça e mal dizer.
Silenciam-se no holocausto da subserviência
O organismo não se anima mais.
E assim, animais ou menos assim,
Descompromissados com o próprio rumo.
Desprovidos de caráter e coragem,
Desatentos ao próprio tesouro...caem.
Desacordam todos os dias,
não mensuram suas perdas e imposturas.
Não almejam, não alma, já não mais amor.
Assim são os insetos interiores."

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Licença poética

A casa estava vazia. O ensejo perfeito para transformar sua louca idealização num polêmico fato. Cometeria um suicídio artístico. O lusco-fusco se aproximava e logo o sol se despediria para aquele dia, e junto dele, ela daria adeus para a vida. Estando o céu tingido de vermelho, a sua pele estaria tingida de sangue. Significaria o crepúsculo de sua existência, a transição, o marco. Pegaria carona com o negro, o negrume da noite seria a última coisa que veria, como um "fade out" para sua atual realidade. A penumbra comporia a pintura a marcar sua extenuação, como no quadro “Noite sobre Ródano”, de Van Gogh. As luzes banhariam seu corpo refletindo nele como se fosse um rio. Ela naufragaria deitada sob a janela aberta para o céu agressivamente pincelado: o retrato da paz nocauteado pelo desespero do medo, da morte. Como era uma ocasião especial, ela se arrumou como noiva. Estava linda, pronta para casar, pronta, para morrer.
 

Caminhou com os pés descalços até a cozinha e apanhou uma faca de açougueiro. A arma perfeita: experiente em ferir a carne; com pós-graduação em corte; com o cheiro de sangue ali esquecido, impregnado. Seria um golpe único, certeiro. Criaria coragem e após respirar fundo – sem pensar e mirando o coração – empurraria a lâmina com força enterrando-a no tórax. Um corte ágil, como um mergulho em água gelada. A dor abraçaria seu corpo e logo ela não sentiria mais nada, afinal, estaria morta. Cravaria a faca no peito, no coração. Rápido e eficaz. Precisava sangrar e sentir a dor, rasgar a pele, dilacerar seu interior.
 

Tal frenesi, na verdade, se tratava de um suicídio interno, planejado, metafórico. Elaborou se esparramar em sua loucura nua como nasceu, deitada na posição de um bebê no ventre de sua mãe, com as luzes do mundo a cortar o breu da sala escura iluminando sua nudez vestindo aquilo. Sentia-se sufocada e presa e incapaz, como uma lagarta no casulo. Carecia do desmoronamento dessa barreira que a cercava. A facada no peito significaria o rompimento do casulo, a demolição do muro, a sua liberdade. Como uma borboleta passaria a ter asas e encontraria o seu voo, se tornaria uma nova mulher. Esqueceria tudo o que quer esquecer, superaria tudo o que quer superar. Forrou o chão com um lençol branco para não deitar no piso gelado e para que o lençol sorvesse seu sangue. Tudo teria um significado. A nudez: o renascimento; o sangue absorvido: a declaração de independência do passado, como um documento, a prova por escrito de seu delito; a cicatriz: a assinatura, a marca perpétua que a faria lembrar que ela precisou se cortar para ser livre. Pensou inclusive em filmar seu delírio tendo a câmera como cúmplice de sua metamorfose, mas logo ignorou a hipótese porque o olho mecânico tiraria a inocência da coisa e tornaria sua liberdade em algo teatral ao roubar a sinceridade do ato.
 

O plano era perfeito. Alguém a encontraria deitada no chão abrangendo seu corpo, abraçando o crime, encolhendo-se em si mesma, tremendo. E a carregaria no colo como uma mãe segura seu filho que acabou de nascer, ainda embalsamado no sangue e envolvido num pano a protegê-lo: o mesmo sucederia com ela. Levada ao hospital ouviria vozes ecoando ao seu redor questionando sua atitude e sua sanidade, mas ninguém a entenderia. Na maca um sorriso não se ocultaria de seus lábios apesar das lágrimas de dor. Estaria livre, e ninguém a entenderia. Seu desvario consistia num grito de socorro, como se sua alma fosse o corpo e o corpo a alma. Achava que ao ferir o corpo atingiria também a alma. A ferida: a cura; o sofrimento: a cicatrização da alma.
Deslocou-se para a sala e parou em frente à janela, o lugar marcado para morrer, ou renascer. Esticou os braços acima da cabeça segurando com as duas mãos a faca voltada para ela. Levantou seus olhos e viu a lâmina mirando o alvo, pronta para infligir à lei do bom senso. Após semanas de ensaio e preparo psicológico, finalmente estava na posição para dar a largada e colocar em prática sua insanidade, a sua salvação. Ao enxergar a morte na palma de suas pequenas mãos ela pode sentir seu coração rasgar e sua alma se contorcer. Seus braços começaram a tremer, a dúvida tomou conta dela, o medo estava lá. Fechou os olhos. Talvez devesse tentar de olhos fechados, como fechava os olhos para tudo na vida, menos para o medo, e dessa vez, tentava não enxergar o medo, o medo que na verdade era a vontade de viver gritando, e o único medo que ela tentava ignorar era o medo de morrer. Mas, apesar dos olhos cerrados a imagem da faca permaneceu viva e ameaçadora. De súbito toda certeza desapareceu e a dúvida a invadiu como um ladrão, sem ser convidada, e de praxe roubou sua convicção no ato tenebroso que prometia transformá-la. Mas, qual a certeza que essa tal transformação ocorreria de fato? “E depois?”, pensou, “como conviver com as pessoas perguntando sobre a cicatriz? Como encarar a condenação de seus olhos, o julgamento, as fofocas? Ninguém jamais me entenderá. E se eu morrer de verdade?”. Questionamentos que a fizeram retroceder no ato que significaria uma ruptura em sua vida.
 

Acalmando os nervos, trouxe a lâmina para perto do peito e levemente a encostou como quem molha os pés antes de um mergulho para verificar se deve ou não pular. Sentiu uma picada aguda que doeu de modo que seu corpo estremeceu de pavor. Se uma leve beliscada já provocara certo desequilíbrio em sua convicção, o fim de uma apunhalada talvez não rumasse para o que tanto almejava. “Eu só queria mudar”, dizia para si mesma com o ânimo desabado, com o corpo desabado no chão, de joelhos, com lágrimas a escorregar em sua delicada face.
Ela não sabia, mas já cometia suicídio todos os dias. O suicídio do remorso, o suicídio de viver no passado, o suicídio de viver a lamentar. Queria mudar: mudou de casa, mudou o guarda-roupa, o penteado, as amizades, tudo o que restou. Mas não mudou os hábitos, e no fim não mudou nada.


Largou a faca, largou seu plano, largou a loucura. Levantou-se, mas se levantou como se estivesse se reerguendo para a vida. O seu teatro não tinha sido em vão. Não seguiria o roteiro ao pé da letra, mas faria uso da metáfora, ou tentaria. Tomou um banho gelado, afinal também cortava a carne, arrepiava a pele. Preparou um chá com biscoitos e foi ver um filme. Conformou-se com sua inconformação.

Como a luz de uma vela que fere a escuridão com seu fulgor vacilante e um sopro inimigo pode apagar sua chama e fazê-la morrer tão rápido quanto foi acesa; assim é a sua esperança que no abismo pode levá-la a cair ao ser apagada por um vento contrário.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Dois sóis.

Andando pelos caminhos que às vezes descubro, caio do mais alto sonho...
E no trajeto há sorrisos que brilham, olhares que iluminam, manhãs e noites que irrompem faiscantes em cima do horizonte...
E, para além da curva celeste, ou a do seu corpo, a claridade incessante de um farol que apaga da Via-Láctea a ideia da noite.
Tal qual um passo que acha seu rumo, um rio que acha seu curso, um barco que acha seu porto, uma alma que acha a sua.
Fecho os olhos e neste esvoaçar de memórias que entrelaço, me encontro. Te encontro.
Como quem perdesse a noção do tempo para ganhar a dimensão do espaço, ficamos acordados.
E nessa vida, nesse rumo, há sóis espalhados por todas as noites que passamos em claro. A sós. 

domingo, 1 de junho de 2014

Metáfora

as horas voam
os pássaros passam
eu perco o passo
e não voo

mas não sou relógio
nem pássaro
sou uma metáfora

sou nada até descobrir
o que ser uma metáfora significa
sou nada até encontrar
meu significado
só então poderei ser
tudo.

Simples assim.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

"Gostaria de poder ter inventado avós que nunca morrem porque já não as tenho mais.
E cachorros também, vários se foram, já não os tenho mais. 
Verdades que não causem problemas, porque vocês sabem: a maioria delas causam dor de cabeça, apesar dela ser: linda.
Gostaria de inventar também um caminho doce para poder voltar e catar todos os caramelos que tiraram de mim na infância.
E mesmo que tudo dê errado, mesmo assim, não tem problema. 
Eu deito no telhado de uma casa qualquer, olho para o céu e invento uma nuvem que chova sorrisos, bem em cima de mim."

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Aslum

Alguém já escreveu algo pra você? 
Nas suas horas mais sombrias você já me ouviu cantar?
Ouça-me agora: você sabe que eu prefiro ficar sozinho, do que ficar sem você.

Sabia?

Alguém já deu algo pra você? Quando você estava triste e você devolveu?
Bem, eu já. Eu já fiz isso por você.
E se isso é tudo, tudo o que eu farei. 
Quero que você se lembre, se lembre de mim. 





sábado, 24 de maio de 2014

Lembranças

Já estavam no nível do "bêbado amoroso". Já entre abraços, histórias e gargalhadas. Um deles declara:
 
- O triste das lembranças é saber que o tempo não volta mais.

Eles se calam. 

Após uma pausa e troca de olhares bem distantes, um deles "ressuscita" e diz: 

- Hora então de criar outras.

Certo ele, eu pensei. 

Só espero que elas existam amanhã, senão a gente cria mais. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Coisa de alma.

Como um velho cata-vento em acrobacia
Meus ledos pensamentos agora já lassos
Tomados de memória volvem em calmaria
Na paisagem, transpassam os meus passos

Sob o céu toldado de amarelo queimado
Deleito desse esteio, a cantarolar entregue
Nesse prado iluminado, de vento adocicado
Floreço bordado de luz, na alma alegre.

São nesses momentos que semeio as minhas paixões

São nesses momentos que faço da vida a melhor tradução do meu coração.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Ansiedade

Doce ilusão que aflora minha alma, que corta meu coração e sangra minha mente.
Doce delírio que de tanto acreditar, tornou-se real, por instantes, semanas, dias, tão translúcida, tão serena que por vezes eu tocava, sentia, cheirava.

Com um sonâmbulo em delírio corri o mundo, refis meu caminho, saltando de sonho em sonho, tentando trançar os fios do destino, tentando tornar o sonho mais longo….
Quem disse que a perfeição é chata? No meu sonho, no peristilo de minha fé, ainda tento segurar firme minha razão que escorre por entre os dedos….

Oh tempo que me destrói, que sempre me trás a realidade, tão cruel e sem gosto, que dele nem quero mais, amarga e sem cor, sem vida…
Que bom seria se meu sonho não se encerrasse, se nele pudesse continuar vivendo, sobre os rochedos do infinito, sobre as certezas do nada….

Mas a realidade é mais forte, mais dura, mais complicada, assim, passo meus dias a pensar nas noites, nas noites que começo a viver, onde abro as portas dos sonhos e me jogo por inteiro, na vida que sempre quis…...
Cinzas são meus pensamentos, cinza dos dias de chuva que tanto gosto, dos pingos que me pegam, dos desejos que me trazem, da alegria que me tomam.

Porque viver não pode ser um sonho, porque meu sonho não pode ser minha vida…. Assim adormeço e começo a viver….
Doce vida seria a minha, se não acorda-se jamais…...

No mais, vida que segue, calma como um vulcão e arrebatadora como um desabrochar de uma rosa.

domingo, 6 de abril de 2014

Efêmero

Mancebo que te postas
À campina verdejante,
Com o olhar fixo no horizonte,
O pôr-do-sol a contemplar,
Vislumbra admirado e com ternura
A cidade que jamais tornarás a ver.
Sopra o vento oriental,
E arrepiam-se seus pêlos,
Ele sabe que está próxima
A hora de tudo se findar.
Seus olhos se fecham,
Ele está pronto.
Um último suspiro,
E sua alma expira.
Ó, pobre efebo,
Teu corpo se inclina,
As vestes brancas esvoaçantes,
Com um sorriso no rosto
Tua face toca o chão.
Efêmera foi a tua vida,
Tão evanescente quanto vã.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Saudade.

O que eu faço com a saudade? 
Tem dia que eu cozinho. 
Tem dia que eu faço besteira.
Depende muito. 
Saudade é um pé de fruta daqueles que você admira quando olha pela janela num dia de chuva. 
Saudade na verdade é um porre, só é bonita em poesia. 
Saudade é a única coisa que, sem piedade, nos é permitido matar. 
E eu (também) já não vejo a hora.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

"Re..."

Poetizando e fingindo, sendo uma hipérbole ambulante e neologista de criação, passei a desenvolver o dom de ser (drama)turgo. E foi então que descobri que, escrevendo, eu poderia ser tudo.
Eu poderia ser o sonho de muitas e talvez até mesmo o meu. Poderia ser palavras que nunca foram ditas por falta de coragem ou por atropelamento da semântica.
E poderia ser aquele que lê para escrever e escreve para ler. Ler nome de ruas e avenidas, giz na madeira, lápis na parede, riscos em cartas, pichação em cimento quebrado.
Ler canções, olhos e olhares, poesias, sorrisos e lágrimas. Pensamentos, medos, lábios, beijos.

Aos poucos fui descobrindo que essa é minha sina, minha retina e minha rotina.

E ai tudo vai se encaixando e nesse encaixe uma necessidade louca...